terça-feira, 4 de novembro de 2008

Capítulo vinte e um: Uma vida nua...


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No texto Vida Nua de Giorgio Agamben (2002), onde ele discorre sobre a vida em campos de concentração para exemplificar modos de politização da vida e modos de vivenciar a nudez do corpo como regra do soberano. Ele fala sobre uma política que constitui o fundamento do totalitarismo que faz da vida e a política se identificarem. Ele afirma em seu texto que o campo é o espaço biopolítico mais puro, pois o que este campo tem diante de si é a vida nua, a pura vida, sem nenhuma mediação. “A essência do campo consiste na materialização do estado de exceção e de um espaço onde a vida nua e a norma entram num limiar de indistinção” (Op. Cit., p.64).

Segundo Agamben (2002) a cisão entre o fato da vida e as formas de vida fundam o poder ao isolar algo como a “vida nua”, objeto a um só tempo de exclusão e inclusão, submetido ao soberano e ao seu arbítrio. O autor fala de expressões que exercem certo domínio sobre a vida nua assim como da redução das formas e ao fato da vida. Ele cita a medicalização das esferas da existência, as representações pseudocientíficas do corpo, da doença, da saúde, etc.
“Não só vivemos em um estado de urgência que o poder tem interesse em manter e explorar, para justificar-se e intensificar-se, mas ao mesmo tempo a vida nua, que desde sempre foi o fundamento oculto da soberania, tornou-se norma, e é precisamente o que merece ser pensado” (AGAMBEN, 2002, p.61).

O autor citado acima afirma que a politização da vida nua aparece como o evento decisivo da modernidade. A vida nua estaria na intersecção entre dois modelos de poder como o jurídico-institucional e o biopolítico. “A implicação da vida nua na esfera política constitui o núcleo originário do poder soberano.” A produção de um corpo biopolítico é a contribuição original deste poder soberano (AGAMBEN, 2002, p.61).

O autor mostra os regimes políticos contemporâneos de um ponto de vista histórico-filosófico apoiando-se sobre o conceito de nu. O que caracterizaria a democracia moderna seria esta tentativa de transformar a vida nua em vida qualificada, onde se coloca a liberdade e a felicidade no ponto exato da própria submissão. Agamben (2002) afirma também a indistinção da vida natural da vida politicamente qualificada realizada por uma política nazista, como se essa política separasse a vida nua das formas de vida para subsumir as formas de vida à vida nua.

A vida nua, não pode ser pensada como um estado biológico natural, existindo naturalmente para depois ser anexada à ordem jurídica pelo estado de exceção. Não podemos regressar para aquém da vida nua produzida pelo campo, nem superá-la com um conceito qualquer de corpo prazeiroso ou glorioso. O autor diz ser preciso “fazer da própria vida nua, o local em que constitui-se e instala-se uma forma de vida toda vertida na vida nua, um bios que é a sua zoé: só quando a vida deixar de ser concebida como um mero fato poderá tornar-se leque de possibilidades, variação de formas de vida.

Valérie Mérange (apud AGAMBEN, 2002) cita que em relatos literários de sobreviventes do campo são mostrados signos de uma afirmação vital e política. Não que essa vida que parece nua e animal seja bela, “mas que ela só é nua em aparência, pois já é sempre composição de relações, amizades intensas, vida viva, natureza naturante, força produtora de formas de vidas, de estratégias, de avaliações. Até o silêncio, a recusa de falar ou de se alimentar já pode ser expressão de uma riqueza de relações. Quando é designada pelos poderes como vida nua, desprovida de toda qualificação que a viria proteger, a vida não tem escolha, para resistir, senão pensar-se para além do julgamento a si mesma, recusando toda autoridade. A vida nua já não se submete a uma soberania que lhe é exterior, e afirma a sua própria” (MÉRANGE apud AGAMBEN, 2002, p.67).

Diante deste leque de informações sobre a redução biopolítica das formas de vida à vida nua Agamben (2002) desafia a questão de como extrair da vida nua formas-de-vida quando a própria forma se desfez, e como fazê-lo sem reinvocar formas prontas, que são o instrumento da redução à vida nua? Trata-se aqui de repensar o corpo do informe, nas suas diversas dimensões.

O autor cita que do interior do que poderia parecer a vida nua reduzidos pelos poderes, soberanos, biopolíticos, disciplinares ou não, é expressado nestes personagens uma vida, singular, impessoal, neutra. Trata-se de uma vida que não carece de nada, que goza de si mesma, em sua plena potência, vida imanente como diria Deleuze.
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