terça-feira, 4 de novembro de 2008

Capítulo vinte: Um corpo... um pudor.


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Aqui, abordaremos a nudez... Não queremos abordar o nu erótico, nem o pornográfico ou o nu artístico, embora utilizemos a arte como artifício. O conceito de nudez abordado aqui, talvez seja mais um conceito interligado à linha de indagação do corpo em meio ao poder e à forma de expressão do corpo como produção de desejo. Para falar do corpo nu a qual nos referimos podemos citar primeiramente o olhar de Foucault (1993) sobre a história da sexualidade onde é abordada uma verdade criada sobre o sexo a partir de discursos analisados por uma “Ciência do Sexo”.

Foucault (1993) opõe os conceitos de ars erotica e o da scientia sexualis. A Ars erotica, relacionadas à civilizações como Roma, Índia, China, etc., buscava no saber formas de ampliar o prazer. Na scientia sexualis própria do Ocidente, a confissão é central na produção de saberes sexuais. Os ocidentais precisariam confessar tudo, expor seus prazeres, uma obrigação já internalizada. A confissão estabelece uma relação de poder onde quem confessa se expõe, e quem ouve interpreta e condena o discurso.

Desvios no sexo representariam perigos e consequências mortais, o sexo é assim, clandestino e obscuro. A coerção da confissão é articulada à prática científica passando a exercer um poder de regressão sobre o sexo, seja na proliferação de discursos inscritos em exigências de poder; ou na solidificação do despropósito sexual e constituição de dispositivos suscetíveis, não somente de isolá-lo, mas de solicitá-lo, constituí-lo em foco discursos e de prazeres; “produção forçosa de confissão e, assim, instaurar um sistema de saber legítimo e de uma economia de prazeres múltiplos onde coloca-se em funcionamento uma rede sutil de discursos, saberes, prazeres e poderes” (FOUCAULT, 1993, p.71).

Para o mesmo autor, o poder se inscreve em todas as relações dinâmicas, que se relacionam com inúmeros pontos de resistência. O poder se relacionara também com a produção de saberes, suas relações não são estáticas nem duais, apesar do discurso não refletir a realidade este é articulado pelo poder e pelo saber. Ele cita estratégias de dominação que constituem o “dispositivo da sexualidade”**, por exemplo, a histerização do corpo da mulher, a pedagogização do corpo da criança, a socialização das condutas de procriação e a psiquiatrização do prazer "perverso". Esta verdade sobre o sexo instituiu controle sobre a carne, os corpos e prazeres (FOUCAULT, 1993).
Tânia Navarro Swain cita em seu artigo Feminismo, Corpo e Sexualidade (2002) pressupostos de Foucault, a partir do questionamento do corpo e o sexo serem indissociáveis: “que corpo é este, atravessado pelo sexo? Que sexo é este a cujas definições se atrelam características de meu ser? Corpo, superfície pré-discursiva, sobre a qual se instalam práticas, coerções e disciplinas? Este pensamento corpo-sexo naturalizaria um esquema binário e hierárquico entre homem-mulher (SWAIN, 2002, p.01).

Foucault é citado pela autora quando diz que a ação do poder sobre o sexo se faz pela linguagem, pelo discurso, e cria um estado de direito. Ela aborda que as práticas discursivas na história mostram contingências de representações sociais, da “inteligibilidade instituída em imagens de corpo, em funções definidas, em papéis sexuados cuja objetivação constrói a realidade que supostamente refletem” (Op. Cit, p.06). Ela cita novamente Foucault em História da Sexualidade Vol. 1, onde ele diz que os discursos sobre a sexualidade e o corpo, com a divisão hierarquizada dos seres humanos são efeito e instrumento de poder instituinte.

Foucault detecta o dispositivo da sexualidade composto por micro-poderes que são investidos para modelar e construir corpos sexuados com práticas multifacetadas representando a expansão da atividade sexual de diversas formas e ainda assim, controladas criando urgências e padrões (Op. Cit, p.08).

** A noção de “dispositivo da sexualidade” em Foucault é a explicitação deste poder que se exerce e se reproduz na construção de corpos sexuados, em um modelo binário que acompanha a partilha do mundo em lícito e ilícito. Assim, a múltipla face do poder desenha seu perfil na identificação dos corpos, no incentivo e na proliferação de práticas sexuadas, sem, entretanto, abandonar a hegemonia da sexualidade binária e do eixo reprodutivo. Como sublinha Foucault, o dispositivo da sexualidade convive com o dispositivo da aliança, e a proliferação da sexualidade não apaga a pregnância da família heterossexual, “(…) como se lhe fosse essencial que o sexo esteja inscrito não somente em uma economia do prazer, mas em um regime ordenado de saber”(Op. Cit. p.31).
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